Aspectos tributários das sociedades cooperativas de trabalho

A tributação das cooperativas é alvo de polêmicas e debates no mundo do direito há mais de 10 anos, principalmente em relação às classificações dos atos cooperadores entre típicos e atípicos, que trazem insegurança ao setor e àqueles que estão a frente deste tipo de organização. 

Neste artigo será demonstrado como se dá o tratamento tributário das cooperativas, com foco nas cooperativas de trabalho, conceitos que envolvem atos cooperativos e não cooperativos e suas repercussões na área. 

Introdução 

Há alguns aspectos controversos acerca da tributação das cooperativas que, frequentemente, despertam dúvidas no meio jurídico. Neste artigo vamos esclarecer alguns pontos relevantes sobre o tema, em especial sobre as cooperativas de trabalho e os conceitos de ato cooperativo. 

Em primeiro lugar, importante fazer a distinção entre as cooperativas criadas para prestação de serviços à terceiros (de trabalho) e as cooperativas de consumo.  

A primeira é aquela constituída com o intuito de fornecer serviços profissionais, por exemplo, cooperativas de serviços médicos, de transporte, agropecuárias etc. Essas entidades têm como objetivo fornecer serviços de qualidade a preços acessíveis. 

Já as cooperativas de consumo, são aquelas formadas por pessoas que compartilham interesse em adquirir bens ou produtos. Essas cooperativas buscam negociar preços mais baixos em relação ao volume negociado, não havendo qualquer limitação legislativa sobre a qualidade, característica ou quantidade de produtos que podem ser vendidos. 

Cooperativa de trabalho 

Antes de entrar no mérito da tributação, faz-se necessário interpretar a expressão “ato cooperativo”, já que traz relevante influência no campo da tributação destas entidades. 

O parágrafo único do artigo 79, da Lei 5.764/1971, nos mostra que o ato cooperativo não se equipara às atividades mercantis tradicionais. 

Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.  

Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria. 

O caput, por sua vez, nos remete ao fato de que o ato cooperativo ocorre entre cooperativas em geral e seus cooperados, sempre com o fim principal de cumprir seu objeto social. E esta parte final do “objeto social” é de extrema relevância, como veremos a seguir. Vejamos: 

Atos das cooperativas perante terceiros 

Analisando detidamente os dispositivos legais, os atos praticados pelas cooperativas perante terceiros, configura-se ato não cooperativo, que, consequentemente, abrangem todas as ações realizadas pela cooperativa com pessoas físicas e jurídicas que não estão associadas à organização ou que não estão relacionadas com seu objeto social. 

Repita-se, “não relacionadas com seu objeto social”.  

É neste ponto que surge a controvérsia relacionada à natureza do ato em questão e aos conceitos de ato cooperativo típico e atípico. 

Isto porque, quando as cooperativas prestam serviços para terceiros não cooperados é preciso analisar se essa atividade pode ser considerada como ato cooperativo (típico) ou não (atípico). 

Se a atividade estiver relacionada às finalidades da cooperativa (objeto social) e beneficiar seus membros, é possível que seja enquadrada como ato cooperativo e, portanto, ser beneficiada em âmbito tributário. 

Atos cooperativos típicos e atípicos 

Como visto, já sabemos que existem os atos cooperativos (típicos) e os atos não cooperativos (atípicos). Mas como realizar a devida distinção entre eles? 

Antes de aprofundar neste tópico, ressalta-se a importância da conceituação dos atos praticados pela entidade cooperativa. 

Isso porque, seguindo os ditames da legislação, o STJ já se manifestou no sentido de que não há tributação sobre atos cooperativos típicos, ou seja, entre cooperativas e seus cooperados. 

Quando do julgamento dos Embargos de Divergência no Resp nº 622.794, aquele tribunal enfrentou até mesmo a conceituação de ato cooperado típico e atípico, diante da atividade de uma cooperativa médica perante terceiros não cooperados. 

Na ocasião, de forma favorável às cooperativas, determinou-se a não incidência do ISS nas suas operações, sob o fundamento de que os atos praticados junto a terceiros eram necessários e inerentes ao objeto previsto no seu estatuto social.  

Vejamos. 

“Discute-se nos autos a incidência de ISSQN sobre atos praticados por cooperativa médica considerados nas instâncias ordinárias como tipicamente cooperativos.” 

 

“A sujeição à incidência do ISSQN dá-se apenas nos atos não-cooperados, ou seja, aqueles decorrentes de relação jurídica negocial advinda da prestação de serviços a terceiros, o que in casu não ocorreu.”. 

 

“A embargada repassa os valores recebidos dos pacientes aos médicos-cooperados, pelos serviços por eles prestados, o que configura ato cooperado (art. 79 da Lei 5.769/1971) e afasta a incidência do ISS.”.

Aplicou-se o mesmo raciocínio no julgamento do Recurso Especial nº 1.213.479, vejamos:

“A Corte de origem considerou que os serviços médicos são prestados diretamente pelos médicos e não pela cooperativa, que apenas repassa aos associados os recursos pagos pelos planos/seguros/convênios de saúde.”

 

“Nesse contexto, deve-se admitir tão somente a incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos associados (valor fixo), consoante disposto no art. 9º, parágrafo único, do DL 406/68. 

 

“Não é possível a tributação pelo ISS sobre a atividade prestada pela cooperativa – recebimento dos valores pagos pela prestação dos serviços, posteriormente repassados aos cooperados com as deduções das despesas operacionais – quer pela absoluta ausência de tipicidade (aspecto material), já que não há, nem nunca houve, previsão de incidência do imposto sobre essa atividade em quaisquer das listas anexas até hoje elaboradas (DL 406/68, LC 56/87 ou LC 116/03); quer pela gratuidade do serviço (aspecto dimensível), que obsta a quantificação do imposto por ausência do elemento “preço”.

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É, portanto, o estatuto social o documento mais importante para análise e definição da natureza dos atos praticados pelas cooperativas, especialmente para aquelas que viabilizam prestação de serviços pelos seus cooperados à terceiros. 

É preciso ter bem definida a atividade da cooperativa para evitar distorções no entendimento de seu objeto. É imprescindível deixar claro no estatuto social quais serão os atos para os seus cooperados e quais serão praticados para a consecução de seu objeto social. 

Neste sentido, podemos dizer que as cooperativas, ao viabilizar prestação de serviços para seus cooperados, está realizando uma atividade meio para alcance de seu objeto social (atividade fim), o que não descaracteriza a compreensão de ato cooperativo. 

Assim, inclusive, já fora decidido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF – 2013):

“A interpretação literal não é a única que deve ser empregada quando da análise de uma norma jurídica, tendo em vista que sua adequada aplicação também deve derivar de um estudo sistemático.”  

 

“Ao confrontar os artigos 79, 86, 87 e 111 da Lei nº 5.764/71 com os arts. 146, III, c e 174, § 2º da Constituição Federal, bem como com as demais disposições da Lei nº 5.764/71, é possível concluir que os atos-meio, por serem indispensáveis à consecução dos atos-fim, também devem ser considerados como cooperativos.” 

 

“Embora uma interpretação literal do art. 79 da Lei n° 5.764/71 permita restringir os atos cooperativos apenas aos atos internos ou atos-fim, realizados entre a sociedade cooperativa e seus associados, a isenção se estende aos atos-meio quando estes são essenciais à realização daqueles e não vão além do que cada associado, individualmente, poderia oferecer a terceiros sem a intermediação da cooperativa.” 

De toda sorte, o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá enfrentar o tema em sede repercussão geral (Tema 536) em que é parte uma cooperativa de serviços médicos. 

Neste debate estão envolvidas contribuições para o PIS, COFINS e CSLL, mas também, necessariamente, se espera a definição do conceito constitucional dos atos cooperados típicos e atípicos. 

De um lado, a cooperativa argumenta que os atos cooperativos não são operações de mercado e não geram receita para a cooperativa, mas são simples entradas que, posteriormente, serão repassadas aos médicos cooperados.  

Afirmam as cooperativas que não seria justo tributar os associados de forma mais onerosa do que se atuassem individualmente.  

Por outro lado, a Fazenda Nacional argumenta que não há isenção genérica para atos cooperativos e que as operações das cooperativas se enquadram nas hipóteses de incidência das contribuições, sendo consideradas faturamento. Ela ainda defende que as operações com pessoas fora das cooperativas envolvem atividade empresarial. 

A Receita Federal do Brasil (RFB) se posicionou de maneira mais flexível, citando a busca de clientela, por exemplo, como ato cooperativo, nas “perguntas e respostas – pessoa jurídica”, do ano de 2022, relatando, inclusive, a situação das cooperativas de prestação de serviços, vejamos: 

(…) “6) nas cooperativa de trabalho, inclusive cooperativas médicas, considera-se atos cooperados os serviços prestados pelas cooperativas diretamente aos associados na organização e administração dos interesses comuns ligados à atividade profissional, tais como os que buscam a captação de clientela; a oferta pública ou particular dos serviços dos associados; a cobrança e recebimento de honorários; o registro, controle e distribuição periódica dos honorários recebidos; a apuração e cobrança das despesas da sociedade, mediante rateio na proporção direta da fruição dos serviços pelos associados; cobertura de eventuais prejuízos com recursos provenientes do Fundo de Reserva (art. 28 , I) e, supletivamente, mediante rateio, entre os associados, na razão direta dos serviços usufruídos (art. 89)”.  

O tema é complexo e não há uniformidade de entendimento entre o judiciário e os órgãos administrativos que, naturalmente, irão interpretar as normas pelo viés mais vantajoso para o sistema arrecadatório.  

Algo mais concreto, portanto, poderá vir do julgamento do tema 536 (STF) acima mencionado, porém, sem data prevista até o momento. 

A tributação 

Pois bem, delineados, na medida do possível, os conceitos de atos cooperativos e não cooperativos, vejamos a tributação relacionada ao tema. 

Naturalmente, as atividades que se enquadram como ato cooperativo ou ato cooperado típico, como vimos, são beneficiadas em âmbito tributário, respeitadas as disposições de regência. 

Nestes casos, não há o fato gerador do IRPJ ou da CSLL, concluindo-se pela não tributação dos referidos resultados, chamados de “sobras”, nos termos do art. 193 a 195 do RIR/2018.  

Por outro lado, os demais resultados dos atos não cooperativos serão tributados integralmente. 

Assim, da mesma forma, o posicionamento que foi apresentado pela RFB em suas “perguntas e respostas – pessoa jurídica”, no ano de 2022, foi seguinte: 

“As cooperativas pagarão o imposto de renda sobre o resultado positivo das operações e das atividades estranhas a sua finalidade (ato não cooperativo), isto é, serão considerados como renda tributável os resultados positivos obtidos pelas cooperativas nas operações de que tratam os arts. 85, 86 e 88 da Lei nº 5.761, de 1971.”. 

 

Quando falamos do PIS e da COFINS, por força de uma decisão do STJ – Resp 1.141.667, no ano de 2016 -, que vincula todos os tribunais, foi reconhecido que aos “atos cooperativos típicos (praticados entre as cooperativas e seus associados), deve ser reconhecida a não incidência das contribuições destinadas ao PIS e a COFINS, bem como do IRPJ e da CSLL”.  

Lado outro, no julgamento do RE 141.800, no ano de 2014, o STF, ao tratar de um caso relacionado às cooperativas de trabalho, destacou que as operações de captação e contratação de serviços para sua distribuição entre os cooperados seriam passíveis de exação pelo PIS e pela COFINS. 

O relator, Ministro Dias Toffoli, em seu voto consignou que “Na operação com terceiros, a cooperativa não surge como mera intermediária, mas como entidade autônoma”. 

O referido entendimento também consta das “perguntas e respostas – pessoa jurídica” da RFB no ano de 2022, Capítulo XXII: 

“097 – As receitas auferidas pelas sociedades cooperativas de trabalho em geral, em decorrência de serviços executados por seus cooperados, podem ser excluídas da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, com fundamento no art. 15, I, da MP nº 2.158-35, de 2001? Não, pois não há previsão legal de excluir da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, incidentes sobre a receita, valores referentes a serviços executados por seus cooperados. A exclusão prevista no art. 15, I, da MP nº 2.158-35, de 2001, refere-se a produto (mercadoria) entregue à cooperativa para ser comercializado, não abrangendo, portanto, serviços.”. 

Sobre o PIS e a COFINS, de toda sorte, ressalta-se novamente que uma posição concreta virá com o julgamento do tema 536 do Supremo Tribunal Federal, como já mencionado. 

A respeito do ISS, como visto, os tribunais superiores também apregoam a não tributação (Resp. 1.213.479 e Resp. 622.794) em virtude da ausência de tipicidade (aspecto material), pois, além de não constar da lista anexa à LC 116 o ato cooperado é gratuito, ou seja, não há “preço do serviço”. 

Observada esta premissa, em geral, as cooperativas são obrigadas ao recolhimento de tributos sobre os atos não cooperativos, assim como as empresas com finalidades mercantis, observados os ramos de atividades a que se dedicam e os estados e municípios em que estão sediadas. 

Outros pontos de atenção 

Por serem instituições de pessoas com natureza civil e forma jurídica própria, constituídas para prestar serviços aos associados, as cooperativas se distinguem das demais sociedades.  

Neste sentido, os pagamentos de rendimentos a associados, decorrentes de serviços prestados, estão sujeitos à tributação pela tabela do Imposto de Renda na Fonte. 

Além disso, importante frisar novamente que o tratamento jurídico-tributário favorecido se refere somente aos atos cooperados, motivo pelo qual todos os resultados não operacionais são tributáveis, por exemplo, aluguéis, ganhos de capital, receita financeira etc. 

Por fim, tratando de regime de tributação, temos que as cooperativas de serviços não podem aderir ao Simples Nacional, por força do artigo 3º, parágrafo 4º, inciso VI, da LC 123/2006. A cooperativa de consumo é a única que pode adotar o regime simplificado. Tratando de PIS e COFINS, conforme o artigo 33º da IN/SRF 635/2006, as cooperativas agropecuárias e as de consumo são as únicas que adotam a não cumulatividade, sendo as demais obrigatoriamente cumulativas, independentemente do regime de tributação. 

Em última análise, podemos notar que todas as cooperativas estão isentas de IRPJ e CSLL sobre os resultados (sobras) relacionado aos atos cooperados, conforme tratamos acima. 

Conclusão 

Podemos concluir que as cooperativas de trabalho devem ter um cuidado especial na definição de seu objeto social, para que suas atividades de prospecção de clientes, oportunidades, recebimentos e repasses aos seus cooperados sejam considerados atos cooperados típicos. 

A definição de seu objeto social é decisiva para benefícios como isenção de IRPJ, CSLL, ISS, PIS e COFINS, estando o debate a respeito destas duas últimas contribuições, ainda nebuloso uma vez que está pendente o julgamento do tema 536 em repercussão geral no STF. 

As cooperativas de trabalho deverão, também, realizar a retenção de IRPF de seus cooperados e estes, por sua vez, deverão proceder ao recolhimento do ISS diretamente aos municípios onde estiverem atuando. 

Não há dúvidas, por fim, que o Brasil é pioneiro e forte no setor cooperativista, sendo este setor de suma importância para a prestação de serviços e consumo do país.  

A ausência de uniformidade de entendimentos, contudo, mostra-se um entrave e acarreta grande insegurança jurídica para aqueles que se dedicam a atividade cooperativista. 

Além de estarem sujeitos aos diferentes conceitos e julgamentos dos tribunais superiores, a administração pública, via regra, possui olhar de arrecadação, contrário, portanto, a benefícios no que diz respeito a tributação destas entidades. 

Não é surpresa, então, que a maioria das discussões desagua no judiciário e nos força a movimentar a máquina pública em defesa das cooperativas e seus cooperados. 

Por este motivo e visando a preservação das atividades cooperativas, a Frente Parlamentar do Cooperativismo propôs a emenda de nº 235 ao texto da PEC 110 de 2019, umas das principais propostas da Reforma Tributária. 

A emenda elucida o texto constitucional referente ao conceito de ato cooperado e propõe a tomada de crédito presumido relativo às operações anteriores, no que refere a eventual Imposto sobre Valor Agregado, como se pretende instituir na proposta em questão e agora é necessário aguardar a repercussão do tema. 

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