Dia internacional da internet. Conheça o marco civil da internet

Marco Civil da Internet: entenda a Lei 12.965

O Marco Civil da Internet, que celebrou seu 10º aniversário em abril de 2024, não apenas representa um marco significativo na legislação brasileira, por ser a primeira norma específica para o ambiente digital no país, como também se consolidou como uma iniciativa legislativa exemplar, servindo de modelo para outras nações, inclusive no mundo desenvolvido. 

Antes do Marco Civil da Internet, havia uma significativa insegurança jurídica em relação às questões relacionadas à internet no Brasil. Essas questões eram resolvidas com base na interpretação dos tribunais superiores à luz da Constituição Federal e de legislações anteriores a popularização da internet, como o Código Civil de 2002. 

 

O surgimento do Marco Civil da Internet 

A elaboração do Marco Civil da Internet foi uma etapa marcante, de forma que até mesmo seu processo legislativo tentou demonstrar vanguarda e inovação, com a utilização de plataformas on-line para a realização de uma ampla consulta pública. 

Na verdade, o Marco Civil da Internet surgiu após anos de intenso esforço multissetorial, envolvendo grandes players do mercado de comunicação digital, acadêmicos e a sociedade civil, que participaram de longos debates. 

O projeto realmente ganhou fôlego em um contexto peculiar, marcado pelos vazamentos de informações pelo Wikileaks e pelas revelações de espionagem eletrônica pelos EUA, reveladas por Edward Snowden em 2013. A gravidade da situação destacou a urgência de uma legislação que regulasse o ambiente digital brasileiro, levando a aceleração da aprovação da legislação. 

 

Quais são os princípios do Marco Civil da Internet? 

O Marco Civil da Internet é frequentemente chamado como “a Constituição das redes” por sua abordagem abrangente e protetora. Para compreender sua importância, é necessário entender seus princípios e garantias. 

Como um pilar do Marco Civil da Internet, destaca-se a neutralidade da rede, pelo qual todos os dados transmitidos na internet devem ser tratados de forma igualitária, sem discriminação ou priorização de acesso. 

Em outras palavras, isso significa que provedores de conexão não podem favorecer determinados serviços ou aplicações em detrimento de outros. Assim, a transmissão de dados deve tratar todos os pacotes de forma igual, sem discriminar por tipo de conteúdo, origem, destino, serviço, aparelho ou aplicativo. 

Um exemplo de debate sobre a aplicação prático do princípio da neutralidade da rede é a prática de zero rating, adotada por operadoras de telefonia. O zero rating é uma estratégia que foi muito utilizada por grandes operadoras, principalmente em planos de dados móveis, onde o acesso a certos aplicativos e serviços, como WhatsApp e Instagram, eram oferecidos sem descontar da cota de dados do usuário. 

Embora especialistas em telecomunicações afirmem que essa prática pode distorcer o mercado digital, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) investigou o zero rating em 2017, após uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF). O CADE concluiu que permitir acesso ilimitado a esses aplicativos não teve efeitos negativos sobre a competição no mercado nacional, contradizendo a posição do MPF, que argumentava que a prática prejudicava a neutralidade da rede conforme estabelecido pelo Marco Civil da Internet. 

Recentemente, as operadoras têm começado a revisar e alterar seus planos, removendo o zero rating e outras vantagens semelhantes, como por exemplo no acesso a redes sociais. 

A liberdade de expressão é outro importante princípio do Marco Civil. Nesse sentido, o Art. 19 da Lei estabelece que a decisão final sobre a legalidade de um conteúdo online é sempre responsabilidade do Poder Judiciário. Isso institucionaliza o sistema conhecido como notice and takedown, amplamente adotado em outras legislações internacionais sobre a internet. 

Ou seja, pela aplicação desse sistema de regulação, as plataformas digitais não são responsáveis por remover conteúdo de terceiros sem uma ordem judicial específica. Elas têm a autonomia para estabelecer suas próprias políticas e práticas de moderação de conteúdo, adaptando-se às suas necessidades e critérios como organizações privadas.   

Pela ótica do Marco Civil, um provedor de serviços na internet só pode ser responsabilizado por problemas causados por conteúdos de terceiros se, depois de receber uma ordem judicial, não remover o conteúdo indicado como ilegal, considerando os limites e capacidades técnicas do seu serviço e o prazo dado para a remoção.  

Inclusive, a adoção desse sistema é objeto de um debate político e jurídico. xiste a expectativa que o Supremo Tribunal Federal vá realizar em breve um julgamento para avaliar a constitucionalidade deste art. 191. Além disso, há discussões legislativas de grande repercussão, como o PL 2768/22, o qual visa regular as plataformas digitais que oferecem serviços online ao público brasileiro. 

Apesar da opção pelo sistema de notice and takedown, o Marco Civil também introduziu medidas específicas para a responsabilização das plataformas digitais. Embora o Art. 19 garanta a liberdade de expressão, a legislação faz exceção para casos de “cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado”. Isso abarca, por exemplo, pornografia de vingança, impondo restrições e medidas para a remoção de conteúdos ilícitos desta natureza.  

A privacidade dos dados também é um princípio base para o Marco Civil. Mesmo antes da LGPD, a Lei estabeleceu diretrizes claras sobre coleta, armazenamento e uso de informações pessoais por provedores de conexão e aplicação. Desde sua promulgação em 2014, o Marco Civil da Internet destacou a inviolabilidade e o sigilo das comunicações realizadas pela internet, bem como das comunicações privadas armazenadas. 

Além disso, o Marco Civil da Internet antecipou a LGPD ao exigir o consentimento expresso para a coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais no fornecimento de aplicações na internet, estipulando que tal consentimento deveria ser destacado das demais cláusulas contratuais, garantindo assim maior clareza e transparência para o usuário. 

 

Internet: um território sem lei? 

Contrário à crença popular de que a internet é um território sem lei, o Marco Civil demonstra que o ambiente digital é, de fato, regulamentado e deixa rastros de todas as atividades realizadas. Esse arcabouço legal revela que a internet é um espaço com regras e mecanismos de controle. 

 O Marco Civil impõe a obrigatoriedade de que os provedores de conexão mantenham registros das atividades dos usuários por um período de seis meses. Esses registros incluem informações sobre conexões e acessos, permitindo a rastreabilidade de ações e a identificação de padrões de uso. 

Da mesma forma, os provedores de aplicações online têm a responsabilidade de manter um registro detalhado das atividades dos usuários em suas plataformas. Especificamente, eles devem conservar informações sobre a data e a hora de acesso a uma aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP por um período de um ano. Esses dados são essenciais, pois incluem detalhes sobre como os usuários interagem com os serviços oferecidos, facilitando a rastreabilidade de crimes e outras ações ilícitas. 

Ao garantir que haja um histórico documentado das atividades online, o Marco Civil proporciona um recurso valioso para que indivíduos possam reivindicar seus direitos e buscar reparação por danos junto ao Poder Judiciário. 

 

 LEIA TAMBÉM: Regulamentação da Internet: os impactos do PL 2630 nas empresas de publicidade digital  

 

Medidas e Ritos Legais do Marco Civil 

O rito estabelecido pelo Marco Civil da Internet permite a adoção de medidas para garantir os direitos dos usuários e assegurar o cumprimento das normas. É possível solicitar a remoção de conteúdos ilícitos e a punição de infratores por meio do judiciário, garantindo que os direitos dos indivíduos sejam respeitados e que a internet continue a ser um espaço seguro e regulamentado. 

A legislação do Marco Civil da Internet tem desempenhado um papel crucial na regulação e proteção do ambiente digital no Brasil. 

Ao estabelecer princípios claros sobre neutralidade, liberdade de expressão e privacidade, e ao criar mecanismos para a responsabilização de plataformas digitais, o Marco Civil oferece uma base sólida para enfrentar os desafios da era digital. Completando uma década, a legislação continua a ser um pilar fundamental na construção de um ambiente digital mais seguro e justo para todos os brasileiros. 

 

À medida que a tecnologia evolui, o Direito precisa evoluir junto 

É importante destacar que o anteprojeto de reforma do Código Civil, elaborado por uma comissão de juristas do Senado e apresentado em 17 de abril, propõe mudanças significativas no Marco Civil da Internet, incluindo a revogação do tão polêmico artigo 19. O texto ainda está em tramitação nas comissões temáticas da Casa. Além disso, o Senado está em fase de análise de um marco regulatório específico para a inteligência artificial no Brasil. 

Diante dos desafios contínuos e das complexidades associadas às plataformas digitais, é essencial que pessoas, empresas e organizações busquem a orientação de especialistas para estarem em plena conformidade com a legislação, além de lidar com questões jurídicas pertinentes às plataformas e superar ilícitos ou crimes que possam ocorrer online. 

Consultar profissionais com expertise em direito digital pode assegurar que as ações sejam tomadas de maneira eficaz e conforme a legislação vigente, promovendo a conformidade e protegendo os interesses de todos os envolvidos. 

 

Fale o que você pensa

O seu endereço de e-mail não será publicado.