Imunidade tributária recíproca e concessões de serviços públicos: uma análise jurídica
A discussão sobre a incidência de tributos em concessões de serviços públicos tem ganhado relevância no cenário jurídico brasileiro.
A título de exemplo, quando o governo federal realiza leilão para concessão de aeroportos, o consórcio vencedor assume a administração do aeroporto e passa a ser responsável pela gestão do ativo imobilizado, incluindo o terreno e as edificações, bem como pela obrigação tributária sobre esses bens.
Nestes casos, o consórcio está sujeito à incidência de IPTU sobre os imóveis vinculados ao serviço aeroportuário. A situação, contudo, suscita um importante debate jurídico: há ou não a manutenção da imunidade tributária recíproca sobre bens públicos afetados a serviços públicos outorgados a particulares?
Imunidade Tributária Recíproca e a Concessão
A imunidade tributária recíproca, prevista no artigo 150, VI, “a” da Constituição Federal, impede que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituam impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.
A controvérsia reside no fato de que, em casos de concessões, o bem permanece de propriedade da União, mas é explorado por particulares.
Fundamentos Jurídicos
Conforme o artigo 20, inciso I, da Constituição Federal, são bens da União aqueles que atualmente lhe pertencem ou que lhe forem atribuídos. O artigo 99 do Código Civil, por sua vez, classifica como bens públicos de uso especial os edifícios ou terrenos destinados a serviços públicos.
A doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro destaca que bens de uso especial são aqueles destinados à prestação de serviços públicos e que permanecem sob a titularidade do Estado, sendo apenas cedidos à concessionária a título precário. Esses bens mantêm o caráter público e, portanto, devem ser abrangidos pela imunidade tributária recíproca.
De acordo com parecer da Advocacia-Geral da União, para que a imunidade seja aplicada em casos de concessões públicas, três requisitos devem ser cumpridos:
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- Propriedade do imóvel: o bem deve ser de titularidade da União ou de outra entidade pública abrangida pela imunidade.
- Afetação ao serviço público: o imóvel precisa estar diretamente vinculado à prestação do serviço concedido.
- Ausência de exploração econômica: a imunidade não se aplica a áreas destinadas à exploração econômica, desvinculadas das atividades-fim do serviço.
Jurisprudência sobre o Tema
A questão da imunidade tributária recíproca em concessões de serviços públicos chegou ao STF e gerou discussões intensas, resultando em diversas teses de repercussão geral:
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- Tema 385: Estabelece que a imunidade não se aplica a empresas privadas que exploram atividades econômicas com fins lucrativos em imóveis públicos.
- Tema 437: Prevê a incidência de IPTU sobre imóveis públicos cedidos a particulares.
- Tema 508: Define que sociedades de economia mista com ativos negociados em bolsa não se beneficiam da imunidade.
- Tema 1140: Reconhece a imunidade tributária para empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviços públicos essenciais sem fins lucrativos e sem comprometer a concorrência.
Recentemente, em decisão emblemática, o STF determinou que a imunidade pode ser aplicada apenas às áreas efetivamente utilizadas na prestação do serviço público, excluindo aquelas destinadas a atividades econômicas acessórias.
Exemplo prático:
- ARE 1.401.061 AgR: Reconheceu a imunidade tributária para delegatária de serviço portuário relativamente a imóvel da União.
- ARE 1.415.924 AgR: Determinou a incidência de IPTU sobre imóveis vinculados à concessão de serviço ferroviário, com fundamento nos Temas 385 e 437.
O Futuro da Discussão: Tema 1.297/STF
Atualmente, está pendente de julgamento o Recurso Extraordinário (RE) 1.479.602, que será analisado pelo STF sob o Tema 1.297. Esse recurso discute se o arrendamento de bem público a concessionária de serviço público afasta a imunidade tributária recíproca e se há incidência de IPTU sobre o imóvel.
A decisão será importante para definir o alcance da imunidade tributária em situações de concessão de serviços públicos e poderá trazer impactos significativos, como a redução da carga tributária e a possibilidade de recuperação de valores pagos indevidamente.
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Oportunidades para contribuintes
Diante do debate da Imunidade tributária recíproca e concessões de serviços públicos, empresas concessionárias podem considerar medidas judiciais para resguardar seus direitos. Recomenda-se que concessionárias que administram bens públicos sob concessão avaliem a possibilidade de ajuizar Mandado de Segurança visando garantir a aplicação da imunidade tributária recíproca sobre os imóveis utilizados diretamente na prestação do serviço público.
A discussão sobre a incidência de IPTU em concessões de serviços públicos ainda está em aberto, com posições divergentes na jurisprudência. Contudo, o julgamento do Tema 1.297/STF promete pacificar a matéria, trazendo maior segurança jurídica aos contribuintes.
Empresas concessionárias devem ficar atentas à evolução do tema e considerar a adoção de medidas preventivas para assegurar a correta aplicação da imunidade tributária, evitando onerações indevidas em suas operações.