Coleta de dados em processos seletivos: como evitar penalidades?
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) determinou a reavaliação de um caso relacionado à coleta inadequada de dados sensíveis durante processos seletivos.
Na decisão, o Tribunal determina que a 2ª Vara do Trabalho de Campinas emita uma nova decisão formal sobre o caso envolvendo as empresas PJBank Pagamentos e Superlógica Tecnologias, acusadas de coletar dados sensíveis inadequados de candidatos em processos seletivos.
O caso reforça a necessidade de atenção das empresas quanto ao tipo de informação solicitada aos candidatos, especialmente quando envolve dados protegidos por normas de privacidade e proteção de dados. Entenda mais!
Risco da coleta excessiva de dados em processos seletivos
A ação, movida pela Federação dos Empregados de Agentes Autônomos do Comércio de SP, denunciou que as empresas usavam a plataforma Gupy para coletar informações excessivas e desnecessárias, como:
- “Crítico autoridades se discordar delas” (opinião política);
- “Muitas vezes tenho dificuldade para dormir” (saúde mental);
- “Tenho variações de humor com frequência” (dado sensível sobre saúde).
A 2ª Vara do Trabalho de Campinas tinha entendido que essas perguntas são descabidas, não possuem finalidade clara e invadem a esfera íntima dos candidatos. Tal uso de dados assim para fins de recrutamento representa um risco jurídico.
A sentença da 2ª Vara de Campinas havia determinado o pagamento de R$ 200 mil por danos morais coletivos e imposto diversas obrigações às empresas, como a nomeação de um encarregado de dados (DPO), o registro de operações de tratamento de dados, indicar uma finalidade, deixar de tratar dados sensíveis sem base legal e a adequação de suas políticas de privacidade.
⚠️ É importante esclarecer que o TRT-15 não anulou a condenação por sua matéria, mas sim apontou a necessidade de uma fundamentação mais robusta na decisão original, como a indicação da destinação do valor da indenização e prazo para pagamento.
Como coletar dados de candidatos em um processo seletivo, segundo a LGPD?
A LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais deve seguir princípios como finalidade, necessidade, transparência e não discriminação.
- Art. 5º, X: Veda o tratamento de dados excessivos e impertinentes à finalidade pretendida.
- Art. 7º e 11: Determinam as bases legais para o tratamento de dados pessoais e sensíveis.
- Art. 37: Obriga o registro das atividades de tratamento.
- Art. 41: Exige a designação de um encarregado pelo tratamento de dados (DPO).
A empresa, ao fazer perguntas sobre crenças, hábitos pessoais e opiniões políticas, violou diretamente esses dispositivos — especialmente por não indicar finalidade ou base legal clara para essa coleta.
O que pode ser perguntado em um processo?
- Histórico profissional e experiências anteriores relevantes para a vaga;
- Formação acadêmica e qualificações técnicas;
- Habilidades específicas necessárias para o exercício da função;
- Disponibilidade de horário e deslocamento quando exigido pelo cargo;
- Pretensão salarial dentro dos parâmetros da função.
O que não pode ser perguntado em uma seleção?
- Questões que revelem origem racial, étnica ou religiosa;
- Crenças filosóficas ou políticas;
- Vida sexual ou orientação sexual;
- Dados genéticos ou biométricos, sem necessidade clara;
- Informações sobre saúde mental ou física, quando não estiverem diretamente relacionadas à função;
- Opiniões pessoais sobre autoridades, temas ideológicos ou outros assuntos sensíveis.
Existem exceções justificáveis?
Sim, mas elas devem ser bem fundamentadas e transparentes. Veja algumas situações em que dados sensíveis podem ser coletados de forma legal:
- Instituições religiosas em que pode ser necessário conhecer a afiliação religiosa, desde que esteja claramente relacionado à natureza da instituição e da função.
- Modelos, atores ou funções com requisitos estéticos, características físicas que podem ser um critério válido, se bem justificado.
- Em cargos que exigem aptidão física, informações de saúde e exames físicos podem ser exigidos dentro dos limites legais.
- No caso de vagas com cotas legais, como para pessoas com deficiência, pode ser necessário coletar dados de saúde para fins de inclusão.
- Deve ser considerada a exigência legal de antecedentes criminais em funções regulamentadas, como motoristas rodoviários de carga, empregados que utilizam ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins.
Em todos esses casos, o candidato precisa ser informado claramente sobre a finalidade da coleta desses dados, que devem ser usados apenas para aquele fim específico e com base legal adequada — como o cumprimento de obrigação legal ou regulatória.
Preciso ter um DPO mesmo sendo pequena empresa?
Se você é uma empresa de pequeno porte, como uma microempresa ou uma startup em fase inicial, não é obrigado a nomear um encarregado de dados pessoais (DPO), segundo a regra da ANPD.
Mas atenção⚠️: mesmo sem o DPO, você precisa oferecer um canal claro e funcional para que os candidatos possam exercer seus direitos, como saber quais dados estão sendo coletados ou pedir correções e exclusões.
Ter um DPO pode ser um diferencial de confiança — e conta como boa prática.
Posso usar plataformas de recrutamento terceirizadas?
Sim, desde que você avalie o operador, estabeleça contrato com cláusulas de proteção de dados e garanta que haja transparência com os candidatos.
Avalie se a empresa informa claramente quais dados coleta e por quê e garanta que os candidatos saibam que seus dados estão sendo compartilhados com terceiros.
Você é responsável pelo que acontece com os dados, mesmo que seja outra empresa que esteja cuidando do processo.
E se eu usar dados para formar o “perfil comportamental” dos candidatos?
Isso exige base legal clara, respeito ao princípio da necessidade, e avaliação de impacto à proteção de dados. O uso discriminatório de perfis pode resultar em responsabilização civil e administrativa.
A coleta deve ter uma finalidade clara e legítima, só os dados realmente necessários devem ser usados. Além disso, o processo precisa ser transparente — o candidato precisa saber que está sendo avaliado dessa forma.
Se for só para “sentir o perfil” de forma genérica ou classificatória, o risco de discriminação e exposição indevida é grande — e isso pode gerar penalidades.
Por que perguntas como “tenho dificuldade de dormir” são problemáticas?
Porque tocam em dados sobre saúde mental, que são dados sensíveis, protegidos de forma mais rígida pela LGPD (art. 11). Além disso, se não houver necessidade comprovada e base legal válida para essa coleta (como consentimento livre, informado e inequívoco), ela é considerada abusiva.
Além do risco jurídico, perguntas assim podem gerar ambiente discriminatório, afastando talentos e ferindo os princípios de equidade.
Conclusão: como manter a conformidade na coleta de dados em processos seletivos?
Para evitar que a coleta inadequada de dados sensíveis em processos seletivos, que podem comprometer a reputação da sua empresa e gerar riscos jurídicos, é essencial revisar cada etapa do recrutamento com base na LGPD e outras legislações vigentes.
Garantir que todas as perguntas tenham propósito claro, embasamento legal e sejam estritamente necessárias para a vaga são algumas das prioridades que a sua empresa deve ter.
Além disso, manter políticas de privacidade atualizadas, registrar as operações de tratamento e, sempre que possível, contar com o apoio de um encarregado (DPO) para orientar práticas seguras. Assim, você protege seus processos seletivos, respeita a privacidade dos candidatos e fortalece a confiança na sua marca.