adiantamento da LGPD

Adiamento da LGPD: o cenário jurídico da proteção de dados

O possível adiamento da LGPD e o cenário jurídico da proteção de dados no Brasil.

Hoje, pode-se observar uma multiplicidade de fontes normativas que, de uma forma ou outra, influenciam diretamente na validade da nossa lei de proteção de dados, causando, sobretudo, diversas incertezas para aqueles que estarão sujeitos aos seus enunciados: em especial, pessoas e empresas que utilizam de dados pessoais para o desempenho de suas atividades profissionais.  

O presente post propõe uma breve análise acerca das incertezas que permeiam a data de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados brasileira (LGPD). Adicionalmente, será abordado o recente julgamento da MP 954 pelo STF, de forma a exemplificar que o cenário de proteção de dados no Brasil, apesar da incerteza quanto à data de vigência da LGPD, já representa uma preocupação importante para empresários e prestadores de serviços no país.  

O Projeto de Lei nº 1.179/2020 

Conforme abordamos em um post recente no nosso blog, o PL 1.179/20 foi criado com a finalidade de alterar algumas das normativas vigentes no país sobre o tema do Direito Privado. Esse documento legal foi proposto no contexto da pandemia do COVID-19, e apresenta disposições de caráter emergencial para que melhor possamos enfrentar a atual crise econômico-sanitária. 

Dentre suas diversas disposições, o projeto de lei em questão previu, em sua redação original, o adiamento da LGPD para janeiro de 2021. As sanções enunciadas na lei de proteção de dados, por sua vez, foram inicialmente previstas para serem adiadas para agosto de 2021. 

Desde a publicação desse primeiro post, contudo, houve mudanças significativas no projeto de lei. Isso porque uma alteração no texto legal pela Câmara dos Deputados revogou o dispositivo que previa o adiamento da LGPD, mantendo efetivo apenas o adiamento das sanções relativas à lei. As alterações foram votadas pelo Senado no dia 19 de maio, e o projeto segue para sanção presidencial. 

Em primeira análise, isso significaria que, caso sancionado o PL 1.179/20 da forma como está agoraa Lei Geral de Proteção de Dados passaria a vigorar no Brasil na data inicialmente prevista, agosto deste ano. Isso quer dizer que, por um lado, os agentes ainda não seriam penalizados por agir em desacordo com os enunciados da LGPD. Por outro lado, contudo, a vigência dos demais dispositivos da lei significaria um passo positivo para a regulação da matéria no Brasil. Isso porque as garantias aos direitos dos titulares de dados pessoais passariam a receber proteção mais significativa em nosso ordenamento, aumentando a segurança jurídica quanto ao tema e colocando o Brasil em melhor posição para a realização de diálogos internacionais com países da Europa, por exemplo. 

A situação, contudo, é menos simples do que a que apresentamos até aqui, pelos motivos que a seguir serão expostos. 

Adiamento da LGPD: a Medida Provisória nº 959 e a incerteza quanto à LGPD 

A atual incerteza relativa ao destino da Lei Geral de Proteção de Dados se dá porque, antes da alteração do texto do PL 1.179/20 pela Câmara, houve a assinatura da Medida Provisória nº 959 pelo governo federal. A MP, entre outras previsões, estabelece a data de maio de 2021 para a vigência de todos os dispositivos da LGPD que ainda estão com a vigência postergada (ou seja, tanto as disposições gerais quanto as sanções). 

Em termos gerais, isso significa que, no momento atual, a data válida para a vigência dos dispositivos da LGPD é a da MP 959, já que medidas provisórias apresentam força de lei desde o momento de sua assinatura pelo Presidente da República. A situação, contudo, pode variar a depender da tramitação de ambos os instrumentos normativos em análise. Vejamos a seguir:  

Possíveis repercussões para o adiamento da LGPD 

Apesar de atualmente vigente, a MP 959 tem prazo de existência de 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Dentro desse prazo, que dura até o final de agosto, a medida provisória pode ser convertida em lei mediante votação do Legislativo. Caso convertida em lei, a medida provisória adquire validade definitiva: no caso em pauta, isso significaria que a vigência da LGPD seria oficialmente postergada para maio de 2021. 

Acontece que a tramitação em regime de urgência do PL 1.179/20 indica uma tendência legislativa contrária à conversão da MP 959 em lei ordinária. Sendo esse o caso, com a medida provisória não adquirindo o status de lei, esta, em regra, mantém sua validade até o fim do prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 (ou seja, até o fim de junho ou agosto de 2020). 

A aprovação definitiva do PL 1.179, nesse intervalo de tempo, significaria que os enunciados do projeto de lei passariam a vigorar a partir do fim da validade da MP 959, caso esta de fato não seja convertida em lei.  

Adiamento da LGPD: não há motivo para espera 

Conforme se pode observar, a situação é relativamente complexa e envolve diversas variáveis, o que torna difícil estimar com precisão qual o futuro da nossa Lei Geral de Proteção de Dados. Nesse contexto, a melhor recomendação para as pessoas e empresas que utilizam dados pessoais no cotidiano de suas atividades profissionais é não perder tempo aguardando uma resposta definitiva: o ideal é iniciar a adequação do seu negócio o quanto antes. 

Isso porque, ainda que a LGPD não entre em vigor efetivamente nas datas acima mencionadas, o debate sobre as implicações, direitos dos titulares, respeito à privacidade e proteção de dados está tão evidente que o próprio STF, ao julgar um pedido liminar referente a Ação Direta de Inconstitucionalidade número 6387, sobra Medida Provisória 954, enfrentou, pela primeira vez, o tema, em um julgamento histórico. 

A MP 954, suspensa pelo STF, tinha por objeto o compartilhamento de dados pessoais (nomes, números de telefone e endereço) dos usuários de telefonia (todos os brasileiros, praticamente) com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sem, contudo, delimitar salvaguardas, finalidade clara e objetiva, tampouco esclarece a necessidade de disponibilização dos dados e como seriam utilizados. 

A importância do julgamento da MP 954 

Por que foi tão importante o julgamento da Medida Provisória nº 954 pelo STF?  

Primeiramente,  por ter sido expressamente mencionado na decisão que os dados pessoais (identificação  efetiva ou potencial – de pessoa natural) integram o âmbito de proteção das cláusulas constitucionais assecuratórias da liberdade individual (art. 5º, caput), da privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade (art. 5º, X e XII)”, nas palavras da Ministra Relatora Rosa Webber. 

Em segundo lugar, por ter sido mencionado expressamente a LGPD e seus fundamentos, como privacidade e autodeterminação informativa, isto é, o direito ao titular dos dados em saber como, quando e porque seus dados estão sendo tratados e ainda, seus direitos de eventualmente se opor a tais tratamentos.  

Portanto, segundo o STF, a Medida Provisória 954 não estaria respeitando regras constitucionais, abrangidas salvaguardas à proteção dos dados, como “mecanismo técnico ou administrativo apto a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida” e também a fundamentos explícitos da própria LGPD, como necessidade, adequação, proporcionalidade e minimização. 

O mais impressionante: dos onze Ministros, dez acompanharam a Relatora em seu voto, cada um ratificando esses princípios e direitos de forma diferente, mas todos concordaram que a nossa Constituição Federal já contém uma proteção específica aos dados pessoais. 

 A adequação legal é uma necessidade urgente 

Importante portanto reiterar a necessidade de não postergar o início do processo de adequação de empresas aos ditames legais. Isso porque o próprio Judiciário brasileiro já entende que os princípios e salvaguardas necessários à efetiva proteção dos dados pessoais já estão em vigor na maior legislação do país: Constituição da República. 

A vigência ou não das sanções previstas na LGPD, nesse contexto, perde relevância, já que o Direito aplicado no país vem considerando a proteção de dados como garantia já vigente em nosso ordenamento. 

Isso tem uma importância enorme, porque, embora as penalidades da LGPD não possam ser aplicadas em sua literalidade por enquanto, não é de hoje que o Ministério Público Federal vem autuando empresas privadas justamente em relação a casos de inobservância desses princípios. Nesse sentido, pode-se mencionar um inquérito do Ministério Público movido contra a rede de farmácias Araújo, em Belo Horizonte/MG e também um processo judicializado contra a concessionária da linha 4 amarela do metrô da cidade de São Paulo, ViaQuatro. 

Em ambos os casos acimaas provisões judiciais foram no sentido de proteger os interesses de titulares de dados, mesmo sem que haja a vigência da legislação específica para tratar dessa matéria. Isso porque, apesar da inaplicabilidade direta da LGPD, os direitos à privacidade e à proteção de dados podem ser interpretados através das garantias fundamentais enunciadas pela própria Constituição Federal. 

Não bastassem esses exemplosé fato que um vazamento de dados ou a vinculação de qualquer ato que desrespeite aos direitos dos titulares por qualquer empresa na mídia já é motivo de dano reputacional que não se pode sequer mensurar. A realidade é que proteção de dados constitui um tema sério e de importante observância por empresários brasileiros. 

A postergação da LGPD por lei específica elaborada pelo Congresso Nacional ou por Medida Provisória, tem por objeto interesses que não podemos julgar de maneira plenamente informadaAinda assim, a mais alta instância do Poder Judiciário no país, alheio a tudo isso, já deu razões suficientes para concluir que, com relação a proteção de dados, tempo é dinheiro: e aquele que não se adequou até agora, está perdendo tanto um quanto outro. 

O escritório de advocacia Camargo & Vieira, nesse sentido, é amplamente capacitado para auxiliar na adequação legal de empresas que necessitam estar a par dos comandos da LGPD. Para saber mais sobre temas relacionados a proteção de dados, como as dificuldades enfrentadas no Brasil pela inexistência de uma Agência Nacional de Proteção de Dados devidamente implementada, acesse nosso post recente através deste link! 

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