A relação entre a LGPD e o Direito Tributário
Em um contexto histórico e como tendência mundial, a proteção dos dados pessoais surge como uma estratégia geopolítica para garantir segurança a segurança nas inúmeras formas de tratamentos de informações.
Neste sentido, o mundo caminhou para marcos legais, trazendo um arcabouço de normas regulamentadoras para o tratamento dos dados e direitos aos seus titulares.
A proteção de dados no Brasil
O marco regulatório no Brasil se deu com a Lei Geral de Proteção de dados (LGPD), com a publicação da Lei nº 13.709/2018.
A Lei estabelece logo em seus primeiros artigos, que o tratamento de dados visa a proteção da personalidade do indivíduo, sua privacidade, intimidade e liberdade como direitos fundamentais e que deverão ser observados pelas pessoas jurídicas de direito público ou privado.
Infelizmente, o que se tem vivido no Brasil é geralmente um mercado paralelo de venda de bancos de dados pessoais e ou quebra de segurança de grandes instituições público ou privadas, cujo interesse maior são o acesso às informações pessoais de clientes, tais como CPF, endereço, telefone e dados bancários. O mais comum são as fraudes sucessivas geradas com tais acessos e mercado de dados.
Desta forma, a LGPD, é um normativo que transcende a regulamentação relacionada ao tratamento de dados pessoais, na medida em que serve de gatilho para uma evolução cultural por parte de toda sociedade e, principalmente, por parte das instituições públicas e privadas.
A adequação de uma instituição às regras da LGPD passa por fases essenciais que vão desde a conscientização da equipe operacional, liderança e diretores, mapeamento do fluxo de dados que se encontram em seu domínio, formulação de contratos e medidas de segurança, até mesmo a uma política interna de privacidade, documentos de transparência ao público da empresa, até treinamentos de colaborados e gestores.
O Governo Federal, através do Ministério da Economia, disponibiliza hoje a todos os interessados, por meio de seu sítio eletrônico, uma série de guias, ferramentas e oficinas que norteiam o assunto.
O objetivo é “incentivar a cultura de privacidade, segurança da informação e proteção de dados, bem como acelerar a evolução da maturidade necessária para que órgãos e entidades federais possam agir de modo proativo e preventivo, assegurando conformidade à Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e aos demais normativos sobre privacidade e segurança da informação”.
LGPD e o Direito Tributário no Brasil:
Tomando por base as iniciais, o objetivo passa a ser, como se daria a relação entre Fisco e Contribuinte no Direito Tributário Brasileiro.
Hoje, o Contribuinte, seja por meio da entrega de obrigações acessórias, principais ou litígios nas esferas administrativas ou judiciais dos órgãos e repartições competentes, mantém informes contendo dados pessoais em larga escala, seja enquanto Contribuinte pessoa física, sócio pessoa física ou como própria pessoa jurídica na qualidade de controladora ou operadora quando do tratamento daqueles dados.
Fato é que, a partir do marco legal da LGPD, as Autoridades Fiscais, no âmbito dos Entres Federados, deverão ter a responsabilidade e proteção adequados na tratativa desses dados. Isto quer dizer que, o tratamento desses dados dos Contribuintes pelo Fisco, bem como o acesso, divulgação e destino deverão passar pela adequação prevista na LGPD.
A lei define regras, responsabilidades e a obrigatoriedade de prestação de contas de cada agente de tratamento, que sempre poderão ser responsáveis pelos danos causados pela ineficiência no tratamento devido dos dados.
No que tange a entrega de obrigações acessórias, sejam nas esferas municipais, estaduais e ou federais, o Contribuinte passa a ter o direito do sigilo de suas informações, enquanto o Fisco a ter a responsabilidade com tais dados observando detidamente a finalidade de tratamento daqueles dados, um dos princípios basilares da LGPD.
Hoje, o que o Contribuinte ainda vive, é um ambiente de troca e compartilhamento de informações entre as Autoridades Fiscais, pronunciamentos, soluções de consulta e orientações tributárias que são divulgadas com os dados do Contribuinte, além de processos administrativos ou judiciais dos quais a consulta por terceiros é permita, e passam a ter acesso aos dados como nome dos sócios e alguns de seus dados pessoais.
A própria natureza complexa das relações tributárias entre Fisco e Contribuinte, o preenchimento das obrigações acessórias (cada vez mais dados solicitados) e até mesmo das guias de recolhimento, carregam em si dados pessoais dos sócios e a vida operacional de uma pessoa jurídica.
Sendo assim, a movimentação que tende haver por parte das Autoridades Fiscais é a de adequação ao sigilo, intimidade, liberdade, privacidade, finalidade, e todos os preceitos fundamentais de proteção e de responsabilização que a Lei Geral de Proteção de Dados traz desde sua entrada em vigor.
As adequações percorreram as instituições fiscais e os tribunais a fim de manter o devido tratamento dos dados do Contribuinte.
Importante ressaltar que já existe a Lei de Acesso à Informação, que garante aos cidadãos brasileiros uma transparência das informações e dados tratados pela Administração Pública, o que não impede que esta faça as adequações necessárias relacionadas à LGPD, bem como garanta os direitos dos titulares dos dados pessoais.
E para aqueles Contribuintes que de alguma forma se sentirem lesados e prejudicados quando do tratamento de seus dados, deverão recorrer nas esferas competentes seus direitos, como reclamações na própria empresa ou instituição que faz o tratamento de dados, como uma denúncia na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Por fim, vale lembrar que a relação entre Fisco e Contribuinte, diariamente tão desgastada, deverá primar sempre pelos princípios da legalidade e boa-fé, com a transparência necessária e fundada, mas com a devida adequação à LGPD por ambas as partes relacionadas.
A segurança da informação na administração pública
Falando um pouco sobre a parte da segurança da informação, é notório o aumento do número de invasões de hackers à base de dados de órgãos públicos, o que pode gerar incidentes relacionados aos próprios dados. Existe então essa preocupação que traz naturalmente um movimento de evolução tecnológica por parte da administração pública e principalmente da Receita Federal.
Isso porque, neste aspecto, a LGPD traz disposições sobre a publicização de eventual incidente de dados, como um vazamento, acompanhado de penalidades com o intuito de coibir episódios desta natureza.
A legislação trouxe diversos mecanismos de fiscalizar as empresas que não se adequarem e não tratarem os dados pessoais de forma correta e poderá aplicar penalidades administrativas que vão desde a suspensão do banco de dados até multas que podem chegar a 50 milhões de reais, por infração.
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O tratamento de dados pela administração pública
O Ministério Público, passando pela Procuradoria Geral da Receita Federal indo até a própria Receita Federal, são órgãos que tratam um grande volume de dados pessoais e promovem operações e fiscalização, em conjunto ou separadamente, com a finalidade, a princípio, de fazer o regramento tributário brasileiro e viabilizar o Estado, através da fiscalização e garantia de pagamento de tributos. Há, por exemplo, critérios de seleção de fiscalização de Contribuintes que podem ter iniciativa da própria Receita Federal ou podem ser originários de pedidos ou ordem do Ministério Público,
Ressalta-se que os Contribuintes podem ter acesso a lista de fiscalização, ou seja, podem se preparar para eventual procedimento, porém, não têm conhecimento dos critérios de seleção. Surge, então, um questionamento a respeito da extensão e abrangência do princípio da publicidade previsto na LGPD.
Sobre os critérios de seleção para fins de fiscalização, temos outro ponto de discussão a respeito, na medida em que o princípio da finalidade, previsto no inciso I do art. 6º da LGPD possui extrema importância na relação entre fisco e contribuinte.
Em primeiro lugar, temos que delimitar a finalidade de tratamento de dados por parte do fisco, a saber, prover e viabilizar a existência do Estado, bem como fomentar a economia e fazer valer a legislação tributária.
Partindo dessa premissa, necessário se faz observar os critérios e os meios utilizados pelo fisco na tomada de decisões sobre os procedimentos de fiscalização.
Sabe-se que, grosso modo, o fisco (órgãos comentes dos entes federados em todas as esferas), na qualidade de controlador de dados pessoais, por meio de cruzamento de banco de dados promove um primeiro filtro de contribuintes que trazem alguma inconsistência em suas declarações.
Por conseguinte, por meio de um relatório fundamentado, o setor de seleção, envia um pedido de fiscalização aos auditores fiscais, estes, representantes do Estado, de fato, promovem a fiscalização com eventuais pedidos de informações aos contribuintes.
Durante estes atos, tratados aqui de maneira resumida para fins didáticos, não é surpresa, por exemplo, o fato de que podem ser analisadas redes sociais, de domínio público, para fins de seleção de fiscalização ou prova fiscal. Desperta-se outra discussão do que seria considerado “domínio público” e a extensão da “privacidade”, por exemplo, daqueles usuários que possuem contas com acesso restrito.
Superadas essas fases, com a constituição definitiva do crédito tributário, em fase, por exemplo, de arrolamento de bens para fins de penhora, as redes sociais podem servir para a administração pública para identificação de patrimônio.
Vejam então que existem inúmeros episódios em que o tratamento de dados pessoais e o direito tributários se esbarram e precisam andar juntos para que haja harmonia entre as legislações vigentes, a realidade da evolução tecnológica, da sociedade e o grande volume de dados hoje tratados pelo Estado, que não está imune ao cumprimento das regras estabelecidas no Brasil, como é o caso da LGPD
O objetivo aqui não é trazer respostas para todas essas provocações e sim, fomentar o debate sobre a extensão e novidades trazidas pela Lei Geral de Proteção de Dados em âmbito da administração pública.
Isto porque, a cultura de proteção e privacidade de dados se tornou natural das sociedades desenvolvidas e chegou ao Brasil com excelentes perspectivas de evolução e posicionamento no cenário internacional, motivo pelo qual suas disposições devem ser respeitadas e implementadas não só pelo setor privado, como por quem deve dar o exemplo, ou seja, pelo próprio Estado, representado, principalmente, por aqueles que detém o maior banco de dados do país, quais sejam, os órgãos de fiscalização tributária.