LGPD e a LAI: como as leis se relacionam?
A Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD tem sido muito comentada recentemente, especialmente ao pensarmos no uso e divulgação de informações por empresas e pelo poder público. No entanto, ao contrário do que muitos pensam, essa não é a primeira legislação do Brasil a tratar desse tema, que já foi regulamentado em várias instâncias. A Lei de Acesso à Informação é uma delas, e atua em um contexto muito específico.
O que é a LGPD e a LAI?
A Lei de Acesso à Informação, conhecida como LAI, é uma legislação em vigor desde 2012, que garante a todo cidadão o direito de acesso a informações públicas de órgãos municipais, estaduais e federais, sem necessidade de justificativa. O objetivo é promover a transparência, e há uma previsão expressa da publicidade como regra e o sigilo como exceção.
Estão sujeitos a essa Lei os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público e do Tribunal de Contas. Entidades sem fins lucrativos que recebem financiamento público também precisam publicar dados referentes aos gastos desses recursos.
Por outro lado, a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, que começou a valer em 2020, estabelece a obrigação de empresas e órgãos públicos protegerem os dados pessoais, assim identificados como qualquer informação que diga respeito a uma pessoa natural identificada ou identificável. A ideia é garantir a cada titular de dados o direito de entender – e, em alguma medida, controlar – a forma como suas informações são utilizadas, além de reforçar seus direitos. Essa lei tem uma relação muito próxima com a privacidade, apesar de não tratar especificamente desse tema.
Existem conflitos entre a LGPD e a Lei de Acesso à Informação?
Uma das formas de tratamento regulamentadas pela LGPD é a divulgação de informações pessoais, que só pode ser feita com finalidade e base legal bem determinadas e respeito aos princípios legais.
A existência das duas leis pode, aparentemente, gerar conflitos, já que a LAI pode demandar a divulgação de informações relativas a servidores públicos ou outras pessoas físicas, como acontece nos portais de transparência. Para um observador pouco atento, essa atividade parece afrontar a LGPD, no entanto, não é bem assim!
Ao contrário do entendimento que tem surgido em algumas instâncias, a LGPD não cria novas hipóteses de sigilo que limitem a aplicação da Lei de Acesso à Informação. Uma das hipóteses que permite o uso de dados pessoais é, inclusive, é a existência de uma obrigação legal ou regulatória que assim determine.
Essa hipótese aplica-se à LAI, que inclusive possui previsões quanto ao compartilhamento de informações pessoais (conceito equivalente ao de “dado pessoal” trazido pela LGPD), que determinam que, em geral, estarão sob sigilo pelo prazo de 100 anos. Algumas exceções permitem a divulgação, inclusive caso haja interesse público na divulgação.
A Lei Geral de Proteção de Dados não está sozinha no ordenamento brasileiro e é necessário entender como ela dialoga com as demais leis que falam sobre o uso e divulgação de informações.
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Qual a relação entre a LGPD e a LAI?
Na relação entre a LAI e a LGPD, não haverá um conflito, mas uma complementação. Enquanto a primeira usa a divulgação de dados pessoais como uma forma de garantir a transparência do poder público e permitir a fiscalização dos entes, a segunda limita o que poderá ser feito com essas informações, além de garantir que o titular dos dados tenha conhecimento do que será feito e possa exercer seus direitos. Ele não poderá pedir que a divulgação não ocorra, mas pode pedir detalhes sobre quais informações serão divulgadas, quais os canais adotados e qual a finalidade por exemplo.
Outro ponto importante é a limitação da finalidade. Segunda a LGPD, não se pode utilizar dados pessoais para fins diversos do originalmente informado ao titular. Portanto, ainda que os salários dos servidores públicos estejam disponibilizados publicamente para fins de transparência, empresa de crédito não poderão utilizá-las para oferecer empréstimos para esses titulares de dados, por exemplo.
O ato de divulgar as informações não encerra a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados. Ela perpassa todo e qualquer uso de informações, e todos os usos posteriores dos dados estarão sujeitos a ela. Existem, inclusive, previsões específicas quanto aos dados públicos, que deverão seguir a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização.
A LGPD ainda complementa a LAI ao definir, de maneira clara, o que é um dado pessoal. Dessa forma, encerram-se as discussões em torna da aplicação da Lei de Acesso à Informação a alguns tipos de informação, que antes alguns agentes buscavam afastar com essa alegação.
Quem vai decidir as disputas entre a LGPD e a LAI?
A Lei Geral de Proteção de Dados ainda trouxe uma vantagem importante: definiu um árbitro para discussões relativas a dados pessoais.
Se houver qualquer dúvida quanto a aplicação ou não da lei, da possibilidade de divulgação de um dado ou mesmo da possibilidade de exercício de direitos pelo titular, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados deverá ser acionada. Ela é a responsável por fiscalizar e regulamentar a LGPD, e será uma instância a mais a quem recorrer em caso de embates envolvendo as duas legislações.
A existência desse órgão não impede a judicialização de demandas, mas funciona como uma possibilidade de resolução administrativa das questões, dentro de um órgão especializado no tema.
Portanto, a leitura de conflitos entre a LGPD e a LAI é superficial. As duas normas são complementares e apoiam uma a outra, como faces da mesma moeda que permite o bom funcionamento das instituições públicas e o respeito ao princípio da transparência.