Artigo 486 da CLT

Artigo 486 da CLT: rescisão por motivo de Força Maior

Não é novidade que o Brasil, assim como o resto mundo, sofreu, assim como ainda sofre, uma grave crise econômica causada pela Pandemia da Covid-19, o que afetou duramente as empresas brasileiras, sejam elas pequenas ou grandes.  

Mesmo os serviços essenciais não escaparam à redução de faturamento e diminuição no ritmo de consumo, haja vista a situação de calamidade atual e as medidas de controle da pandemia, como medidas de isolamento social. 

Neste cenário, empresários e advogados se desdobraram para encontrar soluções que possibilitem às empresas a manterem os seus funcionários e conseguirem suportar os meses turbulentos.  

No entanto, muitas vezes a única opção que resta às empresas é a demissão de funcionários e, em razão de não terem condições de arcar com as verbas rescisórias, as empresas têm recorrido à demissão por motivo de força maior, alegando que o governo deve pagar os valores devidos ao funcionário, com base no chamado fato do príncipe.  

Para saber mais sobre o assunto, confira o nosso texto.  

Força maior e Artigo 486 da CLT: Factum Princips (Fato do Príncipe) 

Para entender o tema é preciso apresentar os dois conceitos em questão: força maior e fato do príncipe.  

A expressão força maior está contida no artigo 501 da CLT e é definida como o acontecimento inevitável, que não poderia ser previsto pelo empregador e no qual não teve participação alguma.   

Em suma, é um acontecimento para o qual não concorreu o empregador, de forma ativa ou passiva, e que afete substancialmente a situação econômica e financeira da empresa. Força maior, nesse sentido, é uma expressão abrangente, geral, para definir diversos acontecimentos.  

Segundo a CLT, a força maior poderia ser utilizada como justificativa para reduzir os salários dos funcionários em até 25% (vinte e cinco por cento), desde que respeitado o salário-mínimo.  

O Fato do Príncipe, por sua vez, é uma forma específica de gênero força maior, contida no artigo 486 da CLT, que diz respeito a uma paralisação temporária ou definitiva do trabalho motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal ou lei que impossibilite a continuidade do empreendimento.  

A ideia por trás desse artigo, a chamada teoria do “fato do príncipe” está fundada no fato de que a Administração Pública não deve causar danos ou prejuízos aos administrados, ainda que o faça em razão de proteger o bem comum ou a coletividade.  

A utilização desses dispositivos para imputar ao ente público as indenizações trabalhistas e reduzir as verbas devidas aos funcionários é extremamente incomum, além do que os Tribunais costumam não aceitar essa tese apresentada pelas empresas, pelo que é preciso ter muito cuidado ao se valer delas.  

Vejamos, agora, os pormenores desses dispositivos legais.  

Aplicação da Força Maior às rescisões

A aplicação prática da força maior como fator para justificar demissões exige a conjugação de diversos elementos legais, tais como se tratar de fato inevitável e imprevisível, sem concorrência do empregador e capaz de afetar substancialmente a situação econômica e financeira da empresa.  

Apesar da Medida Provisória n. 927 e o Decreto Legislativo n. 6 de 2020 terem reconhecido a situação atual como estado de calamidade pública, a CLT é literal ao estabelecer, em seu artigo 502, as condições para a rescisão dos contratos de trabalho em virtude de força maior.  

De acordo com o texto legal, é preciso que o fato imprevisível impacte a empresa a ponto de causar a sua extinção ou o fechamento de um dos estabelecimentos onde trabalha o empregado.  

Nessa oportunidade, os empregados demitidos receberiam todas as parcelas que independem da rescisão para existir, como 13º salário ou férias, e metade do aviso prévio indenizado (ou metade da indenização devida pelo artigo 479 da CLT, em se tratando de contrato por tempo determinado) e metade da multa de 40% do FGTS.  

Ou seja, empresas como restaurantes que tiveram de adaptar seu modelo de negócios para atender somente por delivery, mas mantiveram o estabelecimento funcionando, dificilmente irão conseguir aplicar a força maior para rescindir contratos.  

Isso ocorre pois os riscos do empreendimento são assumidos pelo empregador, conforme a própria CLT dispõe.  

Além disso, de acordo com o artigo 504 da CLT, caso seja comprovada como falsa o motivo de força maior, será a empresa obrigada a reintegrar os empregados estáveis e os não-estáveis que receberão o complemento da indenização recebida, bem como o pagamento da remuneração atrasada.   

Dessa forma, aplicar força maior para rescindir contratos de trabalho requer muita cautela, sendo uma alternativa a ser examinada como extremo cuidado e de acordo com a situação concreta, apenas em situações que impliquem a extinção de estabelecimentos.  

Vejamos, por outro lado, como o fato do príncipe poderia ser aplicado na realidade.  

Artigo 486 da CLT: Fato do Príncipe e pagamento de indenizações trabalhistas

Como já dito, o fato do príncipe é uma modalidade especial de força maior, que depende de um ato de autoridade de Estado ou de lei que impeça a continuidade da atividade e resulte em paralisação temporária ou definitiva.  

Vale notar, primeiro, que o ato da autoridade deve levar à total impossibilidade de execução do contrato de trabalho, ainda que de forma temporária.  

Ou seja, é preciso que o empreendimento tenha sido obstado pela Administração, não bastando a dificuldade em continuar a atividade. Aqui há uma semelhança aos requisitos da força maior.  

Também é preciso levar em conta o elemento da imprevisibilidade e o nexo causal entre a determinação, o ato da autoridade estatal, e os danos e prejuízos sofridos pela empresa. O Tribunal Superior do Trabalho, inclusive, já decidiu nesse sentido:  

AGRAVO DE INSTRUMENTO DA PRIMEIRA RECLAMADA. INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. 1. ESTADO DE SANTA CATARINA. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO ENTE PÚBLICO. FATO DO PRÍNCIPE. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA Nº 126. NÃO PROVIMENTO. Cinge-se a controvérsia em saber se os termos do artigo 486, caput, da CLT, relativos à configuração do fato do príncipe, são aplicáveis à hipótese dos autos: “No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”. A incidência do instituto “fato do príncipe” pressupõe necessariamente o elemento da imprevisibilidade e nexo causal entre o ato da Administração e os danos ou prejuízos daí advindos. (TST – AIRR 486-28.2018.5.12.0023; Ministro Relator Caputo Bastos, Quarta Turma, Julgamento em 11 de março de 2020)  

Também é necessário considerar que a alegação da empresa de que se trata de obrigação do Estado arcar com as indenizações trabalhistas deve passar pelo crivo dos Tribunais, conforme o § 1º do artigo 486 da CLT.  

Importa, finalmente, perceber que o artigo 486 da CLT, em interpretação literal, apenas diz respeito às verbas indenizatórias, o que quer dizer que demais verbas como férias e terço constitucional, dentre outras, são devidas pelo empregador.  

Além disso, o não pagamento do FGTS devido, sob o argumento de que o ente público deve arcar com a parcela, pode levar a empresa a arcar futuramente com a multa devida pelo artigo 477 da CLT.  

Nesse sentido, ainda que a empresa consiga demonstrar os requisitos para a caracterização do fato do príncipe, os Tribunais não possuem entendimento pacificado sobre a matéria.  

Como a atuação dos Estados e Municípios tem se baseado na defesa da vida, que está prevista até mesmo no artigo 5º da Constituição Federal, é improvável que a justiça acate a alegação de fato do príncipe decorrente da Pandemia da Covid-19.  

Portanto, trata-se de um risco para a empresa, sendo necessária uma análise apurada dos riscos envolvidos.   

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mulher demitida Artigo 486 da CLT

Conclusão

Vê-se, portanto, que aplicar a força maior para reduzir o valor pago a título de indenização rescisória ou o fato do príncipe para obrigar o ente público a pagar as verbas devidas deve ser examinada com extrema cautela junto a uma assessoria jurídica especializada.  

Via de regra, a aplicação dos institutos aqui expostos não se adequa a todos os casos, devendo haver uma análise de riscos, considerando os efeitos negativos que vão desde o aumento do passivo trabalhista, que ocorre com a propositura de reclamatórias trabalhistas por ex-funcionários, até uma possível fiscalização dos órgãos competentes.  

Portanto, é imprescindível o auxílio de uma assessoria jurídica competente, para orientação dos rumos da empresa com menores riscos e maior segurança jurídica.  

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